terça-feira, 28 de setembro de 2010

Exemplo de menina

Fiquei muito feliz ao ler uma reportagem sobre Sofia Sales, uma menina de 12 anos que, preocupada com a preservação de um lago próximo a sua casa, teve a idéia de criar um abaixo-assinado de patinhas, invocando o direito dos animais.

Sofia mantem o site http://www.sousofia.com.br/ onde expõe suas idéais sobre ecologia e preservação ambiental. Outra bela iniciativa, foi a de escrever uma carta incentivando o uso do papel reciclado nas escolas.

Eis a carta aberta de Sofia:

“Prezados Diretores de Escolas,

Escrevo essa carta para tirar uma dúvida: Por que o papel reciclado não é usado em tantas escolas?

Eu e meus colegas sempre perguntamos aos professores e eles dizem que é pela questão do preço. Agora tenho outra pergunta: Vida tem preço? Se trocarmos o papel branco, por papel reciclado, pouparemos milhões de vidas de árvores, de bichinhos que nelas moram e vidas humanas também.

O uso do papel reciclado é simples e muito relevante. Sinto-me mal em fazer redações de português em folhas brancas que deixam tantos rios pretos.

Como os alunos podem ser educados por uma escola que não é educada? Como os alunos poderão respeitar a escola se ela não respeita o destino do mundo que também é dos alunos?

Suponho que manterão o direito da vida optando pela escolha que sabemos ser a melhor.

Obrigada pela atenção.

Respeitosamente,

Sofia Barroca Henriques Sales”

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A quase vegetariana

Por Haroldo Cella

Ela nunca havia pensado no assunto, mas após assistir a uma palestra, acompanhada de um filme, sobre a morte (eufemisticamente chamada de "abate") dos animais que constituem as principais fontes de proteínas para a alimentação dos seres humanos, emocionou-se e, naquele momento, teve certeza de que nunca mais conseguiria voltar a degustar um "suculento" rosbife, um lombinho "bem temperado" ou uma "saborosa" coxa de galinha, sem lembrar dos olhos tristes, assustados ou desesperados daqueles seres, segundos antes de serem abatidos, ou, como ela começava a pensar: momentos antes de serem fria e covardemente assassinados.

Decidiu entrar, pela primeira vez, em um restaurante ovo-lacto-vegetariano e, para sua surpresa, descobriu que a comida, incluindo a famigerada soja, era gostosa. Percebeu que, na verdade, nunca havia apreciado realmente o gosto da carne em si, mas sim do tempero que ela levava, ainda que fosse apenas sal, como no caso do churrasco. Talvez, por isso, tenha adorado o bem temperado "churrasco" vegetariano, feito de glúten e proteína de soja.

Fez amizade com vegetarianos e, após muitas conversas, compreendeu que o nosso prazer em saborear músculos de animais mortos decorre do fato de que não temos plena consciência de estarmos comendo, na verdade, um pedaço de cadáver, produto de uma matança diária sangrenta, cruel e dolorosa, de milhões de seres que, assim como nós, eram, enquanto vivos, capazes de sentir prazer, alegria, medo e dor, entre outras sensações e sentimentos.

Entretanto, ao tentar explicar isso para algumas pessoas amigas suas, "carnívoras" convictas, ouviu daquele que era, até então, um de seus melhores amigos o seguinte questionamento, feito em tom sarcástico, acompanhado de gestos teatrais: por que razão os vegetarianos não têm pelas plantas a mesma compaixão que dizem ter pelos animais, uma vez que matam e comem os vegetais sem dó nem piedade, da mesma forma como os carnívoros fazem com relação aos animais? Ela não soube como responder, mas, engolindo em seco, prometeu pesquisar sobre o assunto.

Após ler alguns livros e colocar a questão para alguns de seus novos amigos, vegetarianos, ouviu de uma senhora uma explicação que lhe pareceu convincente. Segundo ela, a filosofia que norteia o vegetarianismo é a de que o ser humano possui inteligência e consciência suficientes para lhe permitir que viva e se alimente sem ser à custa do sofrimento de outros seres sencientes, ou seja, de seres que possuem em seu organismo um sistema nervoso que promova sensações e sentimentos, responsáveis pelo contentamento ou pelo seu oposto, o sofrimento. Ela explicou-lhe que as plantas e a maioria dos animais invertebrados não possuem sistemas que lhes permitam sentirem medo ou dor, sendo que, nos próprios vertebrados, existem tecidos não inervados, como a pele ou os pelos.

Retornou então ao amigo carnívoro que havia levantado a questão e, com base no discurso de sua amiga vegetariana, decidiu sugerir a ele o seguinte: que deixasse de cortar seus cabelos e unhas, pois apesar da ausência de células nervosas nesses tecidos, seria lógico esperar, segundo o ponto de vista que ele defendia, que o corte desses tecidos provocasse tanto sofrimento quanto o corte de um dedo, por exemplo. Indo mais além, sugeriu ainda que ele cortasse logo os seus dedos e arrancasse fora o couro cabeludo, para não precisar mais cortar unhas e cabelos, uma vez que, segundo a lógica que ele utilizava, estaria, assim, provocando o mesmo tipo de sofrimento que o simples corte dos cabelos ou das unhas, com a vantagem de ser pela última vez. Dito isto, virou-lhe as costas de forma teatral e foi-se embora.

Algum tempo depois desse episódio, encontrou novamente o rapaz, que lhe confessou ter pensado muito no que ela lhe dissera, a ponto de já não sentir mais prazer em comer carne. Mas antes que ela dissesse qualquer coisa, ele colocou o seguinte: se os vegetarianos não comem carne porque não querem causar sofrimento aos animais, então não deveriam igualmente consumir gelatinas, geléias, chicletes e quaisquer outros produtos, incluindo produtos de limpeza e cosméticos, feitos a partir de colágeno, "mocotó" e sebo, extraídos de bois mortos, sendo que, pelo mesmo motivo, também não deveriam usar nenhum utensílio feito de couro, de osso ou de pêlo desses animais, entre outros tantos "produtos" que são obtidos a partir dos mesmos, à custa de sofrimento e morte.

Ela permaneceu atônita por alguns segundos, dando-lhe oportunidade de continuar seu raciocínio. Lembrou-a, então, que as indústrias de ovos e de laticínios, obtêm suas matérias-primas a partir de sistemas de criação, em que os animais (galinhas e vacas) são criados confinados, com evidente sofrimento para os mesmos, além de serem mortos muito antes do que morreriam, caso tivessem morte natural. Ou seja, uma pessoa que pretendesse seguir uma dieta ovo-lacto-vegetariana, para estar com sua consciência totalmente tranqüila, só deveria consumir ovos de galinha caipira, criadas soltas no mato, e alguns tipos de queijos artesanais feitos a partir do leite de vacas que vivem toda a sua vida soltas no pasto.

Ela ainda manteve-se calada por algum tempo, absorta em seus pensamentos, antes de agradecer-lhe pelo toque, olhar para si mesma e constatar que deixou de comer carne, com pena dos animais, cujos olhos moribundos lhe comoveram, mas continuava usando bolsa, cinto e sapatos de couro...

Algum tempo depois dessa conversa, já refeita do choque inicial, ela decidiu repensar sua decisão anterior de apenas não comer carne e procurou se informar melhor sobre quantos produtos, entre os que consumimos no dia-a –dia, contêm matérias-primas ou insumos derivados da matança de animais, ou do confinamento cruel dos mesmos.

Descobriu que, além das coisas que seu amigo levantara, também os filmes fotográficos e de cinema são recobertos por uma espécie de gelatina que é extraída do interior da canela dos bovinos; dos pés dos bovinos também são obtidas substâncias utilizadas na espuma de extintores de incêndio; do sangue bovino obtém-se um fixador para tintas e tinturas; a gordura bovina é usada em pneus, plásticos em geral, velas e PVC, além de compor a fórmula da glicerina, que serve de base para sabonetes, cosméticos, xampus, cremes de barbear e até mesmo dinamite; medicamentos diversos utilizam substâncias extraídas de órgãos bovinos; queijos curados são feitos com uma enzima retirada do estômago do bezerro; alguns pincéis são feitos de pelo de suínos; ....

A lista parecia interminável. Uma tristeza melancólica se instalou no seu espírito. Como viver em uma moderna sociedade industrial sem ser cúmplice, de alguma forma, do sofrimento e morte imposto aos animais, especialmente aos bovinos. Lembrou-se de que na Índia o boi é sagrado e que, ao mesmo tempo, é o país que mais faz filmes de cinema. Será que os filmes deles não conteriam a tal gelatina bovina? Ou será que eles simplesmente ignoram o fato e importam a película?

Sua consciência ficou ainda mais pesada quando soube, por intermédio de um amigo, que, em Universidades e Institutos de pesquisa, milhares de animais são submetidos, diariamente, a sessões de tortura, através da exposição à substâncias que provocam dores, doenças e morte, tudo com a finalidade de testar a eficácia de substâncias que poderão vir a se tornar remédios para nós humanos. Os "naturebas" não sabem, disse o amigo, mas quando se divulga, por exemplo, que está cientificamente provado que o chá feito com a folha de tanchagem é eficaz para aliviar a dor e outros sintomas de um resfriado, é porque uma Universidade testou o emprego de substâncias extraídas da planta no alívio da dor de cobaias de laboratório. E como é feito isso? Eles separam dois grupos de cobaias e injetam em cada um dos pequenos animais algumas drogas que fazem com que os bichinhos se contorçam, com dores insuportáveis. Um dos grupos recebe então uma injeção da substância presente na tanchagem, que desconfia-se seja analgésica. Então os pesquisadores contam o número de contorções. Como o grupo que se contorceu menos foi o grupo que recebeu a substância, então há evidências de que ela seja mesmo analgésica. A experiência é então repetida várias vezes, com outras cobaias e em outras Universidades, até que se forma o consenso científico em torno do poder analgésico da mesma. É só então que as publicações especializadas em fitoterapia começam a divulgar a eficácia comprovada da tanchagem, um produto "natural", no alívio dos sintomas do resfriado...

Depois de agradecer ao amigo por mais esta triste informação, ela decidiu dar um tempo em suas pesquisas. Refletiu durante muito tempo sobre essas questões e muitas outras que foram brotando em sua mente ao longo de intermináveis semanas de angústia e sentimento de impotência. Chegou à conclusão de que, num mundo dominado pelo capitalismo, onde os seres humanos exploram e causam sofrimento aos próprios semelhantes para ganhar mais dinheiro, seria mesmo demais esperar que tivessem compaixão por animais considerados inferiores.

Percebeu que ser vegetariana, num mundo assim, é muito mais difícil do que parece ser. Finalmente, constatou que, diante da quase impossibilidade que seria boicotar tudo aquilo que, para existir, beneficiou-se direta ou indiretamente do sofrimento de animais, muitos se iludem, dizendo-se vegetarianos somente porque não comem mais carne.

E foi assim que ela decidiu assumir sua triste condição de quase vegetariana.

(Texto extraído do site http://www.vegetarianismo.com.br/sitio/index.php?option=com_content&task=view&id=294&Itemid=34)