domingo, 26 de fevereiro de 2012

Pequenos vegetarianos em escolas onívoras

* Foto de arquivo pessoal
Pra meu gosto, ficava cuidando exclusivamente dos filhotes até pelo menos completarem 3 anos. Porque sempre quis muito ter filhos, porque gosto de curtí-los, porque acho fantástico observar o crescimento e o desenvolvimento deles bem de pertinho, porque considero saudável, porque sou grudenta mesmo.

Mas infelizmente as coisas não saíram como eu havia planejado. Minha "fadinha da limpeza" - como dizem as crianças - de anos, se empolgou e ficou grávida. Resultado: ela saiu de licença e eu não consegui ninguém que a substituísse.

Sozinha em casa com meus gêmeos - estressada, cansada, salve, salve, tendo que lavar, passar, cozinhar, trocar fraldas, dar banho, dar as refeições, brincar, colocar pra dormir - tudo em dobro - além de escovar diariamente três gatos, dar carinho, colocar ração, limpar a caixa de areia, trocar a areia da caixa e, se desse tempo, comer alguma coisa, escovar meus dentes e ir ao banheiro - não consegui pensar em outra coisa a não ser no colinho da minha mãe. E ela largou tudo e veio voando me socorrer, sem nem pestanejar, mas por pouco tempo.

Como estava difícil arrumar uma boa ajudante e de confiança, decidi, então, que a melhor saída seria matricular meus filhotes, de apenas 1 ano e meio, em uma escolinha. Mas qual escolinha? A única escola vegetariana que eu conhecia ficava totalmente na contramão de casa e do escritório. Pensei até em mudar de endereço, mas essa hipótese era inviável.

Pesquisas e mais pesquisas, visitas e mais visitas, gostei de uma que ficava perto do escritório. Foi aí que achei que seria melhor eu voltar ao trabalho, e de quebra ficar pertinho deles, poder almoçar com o maridão todos os dias, dar uma escapadinha e tomar um café ou um sorvete no meio da tarde. Perfeito!

O que pesou na escolha da escola foi a boa localização, as instalações com parques ao ar livre, a higiene e limpeza, a empatia com a professora e, também, o fato de eu poder enviar todas as refeições, uma vez que a escola não oferecia um cardápio que se adequasse à dieta deles.

Coloquei no contrato que a opção vegetariana deveria ser respeitada, sendo proibido oferecer às crianças alimentos que contivessem carne, de qualquer animal, e também doces, balas, pirulitos, gelatina (pra quem não sabe, tem osso de boi), chocolates e refrigerantes.

E tudo deu certo no primeiro ano de escola. Até que quase na metade do ano seguinte, já com 2 anos e pouco, falando mais do que a boca, mais curiosos do que gato e macaco, meus pequenos começaram a observar que a alimentação deles era diferente da dos coleguinhas. Foi aí que percebi que era hora de falar-lhes algumas "cositas".

Inicialmente, expliquei que a mamãe não come carne e não dá carne porque faz "dodói" no boizinho, no porquinho, no peixinho, na galinha. Depois disse que os bichinhos são nossos amigos e não nossa comida. E na medida em que eles me perguntavam eu respondia sempre com a verdade e de uma maneira simples. Percebi que eles achavam tudo muito lógico.

E eles nunca quiseram experimentar carne, seja por curiosidade, seja por ver os coleguinhas ou familiares comendo; ao contrário, quando vêem algo que se assemelha à carne rejeitam veementemente.

Para minha surpresa o vegetarianismo foi muito bem aceito pelas pessoas, recebi elogios da nutricionista da escola que viu o pratinho deles todo colorido e observou que eles comiam com gosto os legumes, o tofu, a quinoa, o glúten, o arroz integral, a lentilha e o feijão, que eu enviava diariamente.

Agora, dor de cabeça tive quando começaram as festinhas de aniversários dos coleguinhas, pois muitas mães mandavam bolos recheadíssimos e cobertíssimos de chocolate, docinhos pra lá de venenosos e ainda de quebra, sacolinha surpresa cheia de balas, chicletes e pirulitos. Convenhamos, né? Há que se ter o dissernimento e vislumbrar a hipótese de existirem crianças diferentes dos filhos da gente, crianças com alergias alimentares, intolerância a lactose, vegetarianas e, inclusive, crianças, cujas mães não queiram dar alimentos nocivos aos seus filhos, pelo menos não com menos de 3 anos de idade!

Pra concorrer com tudo isso, enviava pão de queijo vegano, bananinha passa com alfarroba e barrinha de cereal, que é saudável e eles adoram. Conversei com a direção, e as tais sacolinhas surpresa passaram a ser colocadas na mochila, para que quando as crianças chegassem em casa, comessem caso suas mães deixassem.

Observo que a maioria das escolas ainda não se apercebeu de um dos seus papéis fundamentais, que é auxiliar e proporcionar o desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis aos estudantes, que deve começar na infância. As escolas particulares e as secretarias de educação estaduais e municipais preocupam-se tanto em divulgar novos recursos materias, especialmente tecnológicos, colocados à disposição dos alunos e, no entanto, não se observa o mesmo entusiasmo na adoção de políticas relativas à alimentação saudável, muito embora a mídia venha dando ênfase cada vez maior aos problemas causados por uma alimentação inadequada, inclusive a obesidade mórbida, em especial a infantil.

Penso que já passou da hora de os administradores escolares, os órgãos governamentais ligados à educação, Ministério Público da Infancia e Juventude e, principalmente, os pais - que têm o poder de reivindicar direitos junto às escolas - atuarem mais efetivamente para a mudança na política alimentar das instituições de ensino, em especial das que trabalham com crianças e adolescentes, de modo que, dentro das escolas, sejam asseguradas opções de alimentação saudável (não necessariamente vegetariana), baseada, o máximo possível, em alimentos naturais, com baixos teores de açúcar, sódio, conservantes, aromatizantes, e tantos outros "antes" que, comprovadamente, fazem mal à saúde, no curto ou no longo prazo.